POR TRÁS DA PALAVRA

Uma africana de um vilarejo tinha costume de carregar sempre sua Bíblia. Seus vizinhos implicados, queriam saber por que sempre a Bíblia, sendo que existem tantos outros livros que poderia ler? Ela ajoelhou e erguendo a Bíblia sobre a cabeça, disse: “existem sim, muitos livros que eu poderia ler. Mas existe somente um livro que me lê”. 

Essa mulher percebeu a riqueza e o mistério do estudo bíblico. À medida em que leio, estudo, e ouço a Palavra, pode acontecer uma troca de papéis. Começo sendo o sujeito da ação de ler e a mensagem bíblica é objeto de estudo. De repente, percebo que por trás da Palavra, do texto, encontra-se alguém que me fala e me toca. O objeto de minha investigação torna-se o sujeito que se dirige a mim de forma muito pessoal. O Deus da Palavra ouve, pergunta, confronta, questiona minha fé, minha missão, minha pessoa. A Bíblia ajuda a entender a vida e a vida ajuda a ler a Bíblia.

Essa troca de papéis acontece através de métodos que se tornam canais para o Espírito Santo chegar ao coração humano. Frei Carlos Mesters, grande biblista  popularizou o seu método com o triângulo hermenêutico: Realidade, Bíblia e Comunidade. "Precisamos fazer uma interpretação que ajude o povo a reapropriar-se da Bíblia como livro que lhe pertence". Graças a essa metodologia, grupos populares estão descobrindo que a Bíblia tem a ver com a vida de hoje. Ela não é objeto de museu, mas acontecimento atual. Fala hoje para pessoas concretas e determinadas. E pede resposta.

E a fidelidade a esse método de leitura popular da Bíblia, exige a permanente abertura às novidades que a luta revela. Foi dessa maneira, que a releitura integrou, por exemplo, a análise sociológica, a leitura espiritual, a leitura orante, a leitura feminista, a leitura étnica, a leitura a partir do cotidiano, a leitura que leva em conta as relações interpessoais. É evidente que o texto bíblico não é neutro, é produto de uma cultura patriarcal e androcêntrica. Por isso o desafio da hermenêutica é desmascarar as interpretações tendenciosas e reinterpretar o relato bíblico na perspectiva do pobre, da mulher, do negro, do indígena, do latino, das CEBs, da ecologia, etc...

Olhando para o espelho: somos mulheres, consagradas, missionárias com rosto de Maria de Nazaré, testemunhando Jesus e sua proposta de vida para todos. Podemos afirmar com segurança que a Palavra de Deus se torna o coração de toda nossa missão? Quem sabe, possamos assumir um estudo mais profundo da Palavra através da hermenêutica bíblica feminina como processo de recontextualização de textos, uma maneira de compreender a realidade da mulher numa estrutura social que determinou um papel dependente, subordinado e que ocultou na história seu protagonismo, sua presença, silenciando sua voz.

Que bom seria se as personagens femininas circulassem em nossas celebrações, nas reflexões e orações. Oxalá tenhamos em nossas comunidades muitas Sefras e Fuas (parteiras), Lídias, Priscilas, Huldas (profetisa), Déboras (juíza), Anas, Marias, Febes, Tabitas (discípula), e muitas outras mulheres bíblicas, para juntas acendermos lamparina nos porões da opressão, onde tanto tempo está abafado o grito das mulheres neste país, na nossa realidade. Se queremos reconstruir a história, temos que cavar muito profundo para poder ouvir vozes e gemidos de mulheres que ecoam por entre as linhas dos textos bíblicos. Por trás de cada Palavra, de cada personagem feminina, tem outras palavras.

Que essas mulheres fortes, belas, e lutadoras nos inspirem a sermos mais femininas, mais alegres, mais encantadas, mais lutadoras, mais auto-determinadas, mais Marias, mais Missionárias do Santo Nome de Maria, protagonizando uma nova história.

                                                                                                       Ir. Helena Makiyama - MSNM